Do sonho de ser bióloga a uma vaga na faculdade

Estudantes da rede estadual que mudaram suas perspectivas de vida com ajuda do Programa de Iniciação Científica

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Um ano inteiro de intensa pesquisa sobre a qualidade da água do manancial que abastece o município onde mora foi o suficiente para a estudante Sabrina Melo Ferreira, de 18 anos, enxergar outros planos para seu futuro. A jovem aplicada e dedicada aos estudos desde criança e que sonhava ser bióloga conquistou, em 2019, uma vaga no curso de Marketing, no Centro Universitário de Formiga (Unifor), no Sul de Minas.

A mudança rumo à área de Comunicação não era esperada por ela, que também foi aprovada para Ciências Biológicas, no Instituto Federal de Minas Gerais. Não foi difícil fazer a escolha do curso superior, já que participar do projeto “Análise dos Parâmetros Físico-Químicos da Água do Ribeirão da Usina”, da Escola Estadual General Carneiro, em São Roque de Minas, no Sul do estado, a despertou para a importância da divulgação da preservação do meio ambiente.

A estudante Sabrina Ferreira (Crédito: Divulgação/SEE)

“É muito engraçado, porque sempre me interessei por pesquisas, pelo meio ambiente, até estágio no Parque da Serra da Canastra eu fiz. Mas é realmente curioso como os planos mudam, depois que adquirimos mais conhecimento. Participar do projeto de pesquisa me ajudou a ver que preciso cursar Marketing para ajudar a divulgar a importância de se preservar o meio ambiente, comunicar da maneira correta o que as pessoas devem fazer para melhorar a questão ambiental de suas cidades. Percebi, com o projeto, que infelizmente ainda faltam muitas informações, principalmente em cidades pequenas como São Roque de Minas. É como se eu tivesse isso como uma missão”, conta a estudante.

O projeto do qual Sabrina fez parte pertence ao eixo Territórios de Iniciação Científica (TICs), vinculado ao Programa de Iniciação Científica da Secretaria de Estado de Educação (SEE). Para ela, que se diz curiosa desde a infância, a oportunidade de ser uma pesquisadora de iniciação científica foi como acertar na loteria. “Nunca tinha imaginado fazer parte de um trabalho como esse e menos ainda que o projeto que escrevemos no final de 2017, quando saiu o edital, fosse contemplado para fazer parte dos TICs. Foi uma felicidade imensa saber que dentre tantos, o nosso foi o escolhido”, afirma Sabrina.

Durante o projeto, a estudante era responsável pela coleta da água e descrição do material utilizado para análise. No turno inverso ao de seus estudos, também era monitora no laboratório de Ciências. Depois de assimilar o conhecimento adquirido em tantas visitas técnicas e até viagens ao município de Passos para assistir a palestras na Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg), a estudante ficou impressionada com os resultados.

“No início, as pessoas não colocaram muita fé, mas com o passar do tempo, ao verem que fizemos várias visitas e viagens técnicas, que estávamos levando a sério o trabalho, passaram a acreditar mais no grupo de pesquisa. Posso dizer que o nosso maior ganho foi ter conseguido mostrar para as pessoas que não adianta reclamar da qualidade da água e colocar a culpa nos outros, sendo que a responsabilidade também é de cada um”, diz entusiasmada.

Segundo a pesquisadora, é preciso mostrar que tem gente que reclama, mas utiliza uma grande quantidade de agrotóxicos em suas plantações, o que acaba contaminando a água em épocas de chuva. Há também os que despejam esgoto no ribeirão, deixam animais soltos à beira do manancial e destroem matas ciliares que protegem as margens e evitam a poluição.

“Enfim, conseguimos mostrar que temos que fazer nossa parte para melhorar a qualidade da água da nossa cidade. Por isso eu vi que era necessário estudar melhor a Comunicação para trabalhar melhor essa causa. O meu foco é o Marketing Sustentável”, conta Sabrina.

Ciências Biológicas ainda é possibilidade

Sempre incentivada pelos pais a nunca abandonar os estudos, Sabrina tem como inspiração a mãe que, muitos anos depois de ter concluído o Magistério, resolveu cursar Pedagogia e hoje também é universitária como a filha. As duas contam com o apoio do pai de Sabrina. A jovem de 18 anos acredita que esse suporte é fundamental, até porque a rotina é bem diferente de quando estudava na Escola Estadual General Carneiro.

No projeto de iniciação científica, em São Roque de Minas, Sabrina viu que também era importante a comunicação no contexto ambiental (Crédito: Divulgação/SEE)

Mesmo que a vida de universitária implique em um cotidiano corrido – ela trabalha em uma cooperativa de crédito o dia todo e estuda à noite, além de viajar duas horas por dia para ir e voltar da faculdade –, fazer o curso de Ciências Biológicas ainda está nos seus planos. Mas o que antes era prioridade, pode ser a complementação de sua formação.

“É uma rotina que exige bem mais de mim. É preciso muita persistência porque é bem diferente da escola e o ritmo é mais acelerado, o que me faz ter que estudar nos fins de semana e nas horas que gasto para ir e voltar da Unifor. Mas, mesmo assim, ainda penso em terminar este curso e fazer o de Ciências Biológicas para me aprofundar em Marketing Sustentável e ter mais propriedade para sair do Marketing padrão, de divulgação de produtos e serviços”, explica a universitária.

No segundo semestre de 2019, Sabrina poderá fazer a inscrição para a iniciação científica da faculdade. “Ainda tenho que elaborar um projeto para me inscrever, estou pensando se participo”, disse.

Importante é o processo

A professora que orientou o projeto “Análise dos Parâmetros Físico-Químicos da Água do Ribeirão da Usina”, Jéssica Elias Reis, conta que o tema foi definido a partir de conversa com os alunos que ela identificou como interessados por pesquisas e estudos aprofundados.

“Os sete integrantes e eu conversamos muito sobre qual problema em São Roque de Minas poderíamos ajudar a resolver. E aí foi quase unânime a questão da água, pois muitos reclamam da qualidade, mas não têm iniciativa para fazer sua parte e ajudar a melhorar. Percebemos que era preciso mostrar que a comunidade era co-responsável por isso e a partir daí decidimos sobre a proposta que iríamos fazer de acordo com o edital”, explicou. Em janeiro de 2018 o projeto foi aprovado pela Secretaria de Estado de Educação junto com outros 32 apresentados por escolas estaduais de todo o estado.

“Visitamos livrarias, separamos muito material de leitura, iniciamos um processo intenso de pesquisa. Em conversa com a diretora, que sempre nos apoiou, conseguimos um espaço para realizar a parte prática e hoje temos até laboratório, onde vários alunos do projeto, assim como a Sabrina, foram monitores e responsáveis por aulas práticas para outros colegas”, afirma a professora.

Um dos mais importantes resultados dos TICs, assim como dos Núcleos de Pesquisas e Estudos Africanos, Afrobrasileiros e da Diásporta (Ubuntu/Nupeaas), também vinculados ao Programa de Iniciação Científica da SEE, tem sido despertar os alunos do ensino médio sobre a importância dos estudos além da educação básica.

TICS e Ubuntu/Nupeaas

Os Territórios de Iniciação Científica (TICs) estimulam estudantes e professores a identificar problemas, da escola ou da comunidade, com a construção coletiva de soluções para resolvê-los ou minimizá-los por meio de Coletivos de Pesquisa. Os projetos são distribuídos nas áreas de conhecimento Ciências da Natureza e suas Tecnologias; Matemática e suas Tecnologias; Ciências Humanas e suas Tecnologias e Linguagens e Códigos e suas Tecnologias.

Já os projetos do eixo Ubuntu/Nupeaas devem se estruturar a partir da linha de pesquisa Cultura, História, Trajetórias Político-Sociais e Científicas dos Africanos e Descendentes em Diáspora, e devem abordar uma das seguintes vertentes analíticas: Cultura, memória, corporeidade e ancestralidade; Construção e fortalecimento das identidades afrodescendentes na contemporaneidade; Participação social, comunitária e política de combate ao racismo e à discriminação social; Africanidades, Ciências, Engenharias e Tecnologias.

Tanto o Nupeaas quanto os TICs fazem parte do Programa de Iniciação Científica da SEE, que tem objetivo de incentivar, apoiar, valorizar e dar visibilidade à produção e compartilhamento de conhecimentos e saberes, a partir do ensino e da aplicação de metodologias de pesquisa e investigação científicas no ensino médio das escolas da rede estadual.

Os coletivos de pesquisa são compostos por grupos de sete a 12 estudantes e um professor orientador, que recebe concessão de extensão de carga horária para desenvolver os projetos. Os educadores da rede que orientam as pesquisas são acompanhados por professores-tutores de instituições de ensino superior, viabilizados por meio de apoio do Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), parceira do projeto.



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