Marco histórico no Brasil, Lei de Cotas reduz desigualdades sociais nas universidades públicas mineiras 

Crescimento do número de estudantes contemplados com essas ações afirmativas é destaque nos dez anos da legislação federal

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Arquivo pessoal

“Um divisor de águas” é como Pedro Veloso, de 23 anos, define a entrada na Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), há quatro anos. De uma família de trabalhadores rurais do distrito de Nova Esperança, ainda na escola pública viu seu interesse pela biologia crescer e buscou uma vaga no ensino superior. Hoje, ele está no 8º período do curso de Ciências Biológicas da instituição.

“Eu me encontrei no curso de forma espetacular. Não só sou aluno, também sou estagiário da própria Unimontes, já participei de residência pedagógica, com iniciação científica voluntária, participei de artigos publicados em revistas nacionais e internacionais”, conta. Dos estágios, dois foram realizados na comunidade onde nasceu. “Eu quero tentar levar o máximo para a população de lá, para a escola onde estudei. O que puder devolver para a comunidade, vou devolver, e tentar levar minha experiência”, diz o universitário.

Pedro ingressou na Unimontes após prestar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e se candidatar a uma vaga pelas cotas raciais por meio do Sistema de Seleção Unificada (Sisu) em 2018. “O sistema de cotas abriu portas para mim, para minha carreira acadêmica. Graças a essa oportunidade, consigo estudar, fazer estágio e trabalhar. Nesses últimos anos, percebemos uma diversidade muito grande na universidade”, ressalta. “Vemos pessoas de diferentes classes sociais, de aldeias indígenas, diferentes etnias, sem a opressão de um padrão”, conta.

Facilitar o acesso

Assim como Pedro, outros milhares de estudantes mineiros foram beneficiados pela Lei de Cotas, que completou dez anos em agosto. O objetivo da legislação é auxiliar na correção das desigualdades econômicas que dificultam o acesso e a permanência desses grupos nas universidades.

A Lei número 12.711/2012, que instituiu a políticas de cotas, determina que 50% das vagas nas instituições federais de educação superior vinculadas ao Ministério da Educação sejam reservadas para estudantes que cursaram integralmente o ensino médio nas escolas públicas.   Desse total, parte vai para candidatos de famílias com renda igual ou inferior a um salário mínimo e meio, e também aos autodeclarados pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência. A distribuição destas últimas é feita conforme o percentual da população do estado onde a instituição se encontra, levando em conta os dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Como a legislação vale para o o Sisu, ao aderir à reserva de vagas pelo sistema de seleção, as universidades estaduais mineiras também passaram a seguir a legislação federal. Mas as instituições já operavam utilizando seus próprios critérios para aplicação de cotas.

Além disso, em 5 de julho de 2017, o Governo de Minas Gerais sancionou a Lei 22.570, que dispõe sobre a política de democratização do acesso e promoção de condições de permanência dos estudantes das instituições de ensino superior mantidas pelo estado.

Conforme a regra, a Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg) e a Unimontes devem reservar, em cada curso de graduação e curso técnico de nível médio mantido por elas, 50% das vagas para candidatos de baixa renda que sejam egressos de escola pública, sendo parte das vagas para negros e indígenas, e 5% para pessoas com deficiência (PCDs).

 

Uemg / Divulgação

Uemg

Na Uemg, o sistema de reserva de vagas teve início em 2004. O programa de Seleção Socioeonômica de Candidatos (Procan) é desenvolvido como uma política institucional de inclusão social que reserva 50% das vagas para ingresso por meio da política de cotas. Ele foi instituído por meio da Lei Estadual nº 15.259, de 27 de julho de 2004. Posteriormente, ela foi revogada pela Lei Estadual 22.570.

Ainda na Uemg, 21% das vagas são destinadas a candidatos de baixa renda e egressos de escola pública, declarados negros; 3% para indígenas e 3% para quilombolas; para ciganos são 2% e para pessoas com deficiência 5%. Já para os candidatos de baixa renda e egressos de escola pública são 16%.

"Como não poderia ser diferente, as políticas de acesso e permanência se configuram como pilares fundamentais para o êxito e permanência dos estudantes no Ensino Superior. Na Uemg, ambas as políticas se expressam em diversas interfaces com as atividades de ensino e extensão: saúde em suas variadas áreas, assistência social, atendimento especializado visando à inclusão de estudantes com necessidades específicas, e assessoramento pedagógico", afirma a pró-reitora de graduação da Universidade, Michelle Rodrigues.

“Os dois principais indicadores (de eficácia da política de cotas) são o número de estudantes ingressantes e o número de estudantes concluintes, considerando-se que 75% de estudantes da Uemg são egressos de escolas públicas com renda familiar per capita de até um salário mínimo e meio”, ressalta a pró-reitora.

Unimontes

A Universidade Estadual de Montes Claros considera a política de cotas extremamente positiva. De acordo com a instituição de ensino, além de favorecer a equidade no acesso ao ensino superior, "afirma categorias que contribuem para a efetiva diversidade desejada ao ambiente acadêmico e atende, em larga medida, demandas condizentes ao contexto regional, além de potencializar talentos".

Desde 2005, a Unimontes vem aplicando os critérios de vagas reservadas em observância às legislações vigentes. Atualmente, a universidade estuda a possibilidade de incluir novas categorias afirmativas para além das mencionadas na legislação.

Entre os equívocos dos críticos à política de cotas, a Unimontes considera que um deles é imaginar que os cotistas roubam espaços de outros, desconsiderando que a desigualdade do país afeta imensamente a igualdade de oportunidades, prejudicando a equidade dos acessos a muitas políticas, elegendo apenas vencedores como se esta posição fosse somente resultado de alguma meritocracia e não exatamente da reprodução de distinções cristalizadas em nosso histórico social. Um indicador relevante que deve ser também avaliado é a melhoria do desempenho nos comparativos de entrada (Enem) e saída (Enade).

Deste modo, mais recentemente, de 2018 a 2020, cada edição do Sisu ofereceu em torno de mil vagas para 48 cursos em média, nos primeiros semestres de cada ano, sendo destas, 50% reservadas às categorias afirmativas, seguindo então agora, a Lei Estadual n.º 22.570, de 5/7/2017, de onde ocorre um aumento de 45% para 50% das vagas reservadas, sendo renomeadas as categorias afirmativas. A Unimontes passou a adotar a seguinte proporção: 21% das vagas para a categoria NEEP (candidatos negros, de baixa renda, egresso de escola pública); a mesma para EEP (candidato egresso de escola pública, de baixa renda), 3% para IEEP (indígena, de baixa renda, egresso de escola pública) e 5% para PCD (pessoa com deficiência).

Em 2018, das 1.098 matrículas realizadas, 452 foram em vagas reservadas. Em 2020, todas as vagas NEEP e EEP  foram preenchidas, com poucas restando nas categorias IEEP e PCD. Assim, das 541 vagas reservadas ofertadas no 1°semestre de 2020, 514 foram devidamente ocupadas pelas categorias afirmativas. Desta forma, a Unimontes mantém 50% de suas vagas ocupadas por matrículas pertencentes às categorias afirmativas.

Importa ressaltar que o perfil dos estudantes da Unimontes é composto por aproximadamente 70% de acadêmicos pardos e pretos pertencentes a famílias que possuem renda entre um e meio a três salários mínimos.

De acordo com a pró-reitora adjunta de ensino da Unimontes, professora Andrea Jakubaszko, “a inclusão por categorias afirmativas em reserva de vagas obtém efetividade se estiver alicerçada em um sistema amplo de universalização e acesso ao ensino superior (e desde as bases). As duas políticas - Categorias Afirmativas e Sisu - precisam caminhar juntas para garantir uma série histórica que possa, cada vez mais com o tempo, impactar nos resultados desejados de diminuição das desigualdades no país”.

*Este conteúdo foi produzido durante o período de restrição eleitoral e publicado somente após a oficialização do término das eleições. 



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