Política de prevenção à criminalidade chega a Brumadinho

Programas estaduais foram implementados na cidade para fomentar acesso a direitos dos moradores atingidos por rompimento de barragem

  • ícone de compartilhamento

Crédito: Luiza Muzzi

Quando em 25 de janeiro os rejeitos da barragem da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, chegaram à horta em que Carlos Daniel Campos, 19 anos, trabalhava, a família de agricultores só teve tempo de correr. A lama devastou todas as plantações do campo, tirando do jovem, seus primos e tios, o trabalho e o sustento. Hoje, exatos três meses após a tragédia, dezenas de famílias, como a de Carlos, ainda tentam se reerguer.

Para fomentar o acesso a direitos dos moradores atingidos pelo rompimento da barragem e contribuir para a redução da criminalidade na região, a política de prevenção à criminalidade desenvolvida pela Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp) implementou, em Brumadinho, os programas Mediação de Conflitos e Fica Vivo!. As ações tiveram início ainda no mês de janeiro, em caráter emergencial, como resposta às demandas evidenciadas pelo rompimento da barragem e, agora, estão sendo ampliadas para atendimento de todo o público impactado.

“A implantação da política de prevenção à criminalidade em Brumadinho se justifica devido às alterações na dinâmica social provocadas pelo rompimento da barragem no município, que amplia e evidencia fatores de vulnerabilidade e traz desafios complexos no enfrentamento à criminalidade e à violência”, explica a subsecretária de Políticas de Prevenção Social à Criminalidade da Sesp, Andreza Gomes. Segundo a subsecretária, a partir da execução dos dois programas, o governo espera favorecer o acesso a direitos do público atingido, além de contribuir para a redução da violência e para a ampliação da sensação de segurança dos moradores.

Desde o dia 30 de janeiro, quando a equipe da política de prevenção iniciou suas atividades em Brumadinho, com o objetivo de implantar os dois programas, já foram realizadas cerca de 70 articulações com instituições públicas e privadas, aproximadamente 30 atendimentos de orientação para acesso a direitos e outras 30 ações de circulação em territórios. A equipe participou de reuniões de organização comunitária e está construindo catálogos da rede institucional da cidade e das lideranças e referências comunitárias. Um amplo diagnóstico de Brumadinho, contendo uma visão sistêmica acerca da realidade social e demográfica e da dinâmica criminal local, também está sendo elaborado.

Gestora da política de prevenção da cidade, Rejane Dias Santos conta que as semanas iniciais foram dedicadas a conhecer a realidade dos moradores e os impactos sofridos nas regiões afetadas pelo rompimento da barragem. “Nos deparamos com uma comunidade em pânico e demos início a um diagnóstico dos territórios, trabalhando no corpo a corpo, conhecendo os moradores e mapeando a rede que atua no município”, detalha.

A subsecretária Andreza Gomes explica que a própria dinâmica do município, devido ao rompimento da barragem, traz questões complexas e específicas que, para serem enfrentadas de maneira qualificada, demandam a construção desse diagnóstico. A partir das informações que estão sendo coletadas diariamente na cidade, as equipes têm definido as estratégias de intervenção mais adequadas para cada realidade.

Mediação de Conflitos

O programa Mediação de Conflitos promove meios pacíficos de administração de conflitos nos níveis interpessoal, comunitário e institucional, de forma a minimizar, prevenir e evitar que eles se desdobrem em situações de violência e criminalidade. Em Brumadinho, o programa também tem contribuído com esclarecimentos e orientações do acesso a direitos de moradores das principais regiões afetadas pelo rompimento da barragem: Córrego do Feijão e Parque da Cachoeira.

“Inicialmente, quando a gente chega falando dos programas, as pessoas ainda estão vivendo um luto e se perguntando se aquela ajuda vai embora, como outras tantas que chegaram e partiram. Existe uma preocupação grande com o que vai vir depois, uma preocupação com a vida para além do rompimento”, relata Juliana Abreu, analista do Mediação.

Para tentar atingir esse público impactado, o programa organizou, no fim de março, uma roda de conversa com os moradores para apresentar a política de prevenção, falar da importância do diálogo e da reinvindicação de direitos e serviços e conhecer melhor a comunidade do Parque da Cachoeira. Ao todo, 50 moradores participaram, trocando experiências e recebendo orientações e encaminhamentos conforme suas demandas. “É preciso cuidado nessa abordagem para resgatar a história dos moradores sem revitimizar essas pessoas”, explica Helenice Fernandes, também analista do programa na cidade.

Uma das moradoras do Parque da Cachoeira, Raiane Cristian Ferreira de Resende, de 29 anos, perdeu a tia no rompimento da barragem e conta que, no primeiro momento, a cidade recebeu uma “invasão” de pessoas, inclusive alguns que se passavam por voluntários, apenas querendo tirar vantagem da situação.

“Conseguir um emprego vai ser muito difícil. Principalmente os jovens não têm o que fazer ou onde buscar ajuda”, diz Raiane. A moradora pondera, contudo, que a chegada dos programas de prevenção à criminalidade pode contribuir positivamente com o processo de reconstrução da comunidade. “Eles vão ajudar muito na questão social. Trabalho como agente de saúde comunitária e sei de muitos idosos que moram aqui e não sabem os direitos que têm, e o Mediação está ajudando a mudar isso”, afirma.

Fica Vivo!

As oficinas do programa Fica Vivo!, em Brumadinho, estão em fase de implantação. A equipe já identificou que muitos jovens, como Carlos, trabalhavam no campo e, agora, no processo de compreensão dessa vida pós-tragédia e sem perspectivas de trabalho, apresentam demandas novas e específicas. A intenção do programa é oferecer atividades que possam amenizar a dor dessa mudança na dinâmica de vida dos jovens e fomentar outras possibilidades e oportunidades, de modo a prevenir a entrada na criminalidade.

“A gente plantava alface, pimentão, tomate, tudo que você imaginar, e vendia no Ceasa e para quase 30 lojas de um sacolão. Era uma produção grande, a maior da região. Agora não tem mais jeito. Com a lama, a fonte de água da horta acabou e ficou todo mundo sem trabalho”, conta Carlos. Ao conhecer o programa Fica Vivo!, recém-chegado na cidade, ele logo se interessou. “São poucos os que olham pelo lado dos jovens, poucos os que lembram que a gente tem sentimentos, e que às vezes o jovem pode se sentir para baixo e tentar se matar. Esse programa não é só aquele discurso de não usar drogas; ele tenta resgatar o jovem. Traz atividades e diversidade, e não tem jovem que não goste”.

Mostra Cultural

Para ampliar sua visibilidade e possibilidade de atuação no território, o Fica Vivo! vai promover, no próximo sábado (27/4), uma tarde de mostra cultural, no Parque da Cachoeira, com apresentações de música, dança e grafite de oficineiros e alunos de outros Centros de Prevenção à Criminalidade (CPCs) da Região Metropolitana de BH. O evento será realizado na Avenida Iraci Laurindo Pereira, 415.

“A gente buscou conhecer jovens que já se articulavam na cidade, com a arte e a cultura, para poder fomentar e dar maior dimensão ao que já vinha sendo feito. A partir daí, delimitamos esse projeto local para dar visibilidade ao programa e mostrar para os jovens daqui como é o funcionamento do Fica Vivo! na prática”, detalha Diego Bernardes, analista do programa. Identificados os interesses dos jovens, o próximo passo é o lançamento de um edital de chamamento público para contratação de oficineiros que irão ministrar as oficinas nas comunidades.

Também analista do Fica Vivo! em Brumadinho, Jaqueline Moreira explica que, para ter êxito, a política de prevenção à criminalidade precisa estabelecer vínculos com a comunidade. “Por isso é tão importante que os moradores conheçam e confiem no nosso trabalho”, diz. Se depender de Carlos, que já até criou um grupo de WhatsApp para convidar amigos e parentes para a mostra, as ações serão recebidas de braços abertos pela população de Brumadinho.



Últimas