Biblioteca Pública Estadual indica opção singular de leitura 

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A Biblioteca Pública Estadual segue fechada em ação de prevenção ao avanço do coronavírus (Covid-19), mas deixa aqui uma sugestão para os dias de recolhimento, período que pode ser transformado em um momento para reflexão e pesquisa literária.

Que tal um apanhado que revela a trajetória feminina na literatura? Neste universo, as mulheres têm estado presentes há muitas gerações.

É fato: a presença feminina na literatura foi sendo moldada à medida em que a sociedade ganhava diferentes perspectivas. De musas inspiradoras de obras clássicas a protagonistas de suas próprias criações, elas têm trilhado um longo caminho para conquistar o merecido espaço no mercado. 

No acervo da Biblioteca Pública Estadual de Minas Gerais, por exemplo, é possível perceber como o perfil feminino tem mudado, dentro e fora dos livros. São mais de 570 mil exemplares, que, de alguma forma, ajudam a entender a travessia literária feminina através dos séculos. 

Revoluções pessoais

Marcado pelos grandes romances, o século XIX foi um campo fértil para o surgimento das musas e heroínas românticas. Em A Dama das Camélias (1848), Alexandre Dumas Filho narra o amor proibido entre Armand Durval e a cortesã Margueritte Gautier. A obra, quase autobiográfica, revela os preconceitos da sociedade parisiense da época. Já em Madame Bovary (1856), de Gustav Flaubert, Emma é a heroína, sonhadora e romântica, que vê seu mundo mudar após se casar com Charles Bovary. Presa em um mundo que não pode suportar, ela embarca em aventuras extraconjugais, reativando os sonhos da juventude e a busca pelo amor romântico. 

À época, homens ditavam regras também na arte, e a rejeição a autoras femininas era alta. Para a diretora do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas da Secretaria de Estado de Cultura e Turismo (Secult), Alessandra Gino, foi somente após algumas mudanças sociais que as mulheres passaram a encontrar mais abertura no mercado. “Jane Austen, por exemplo, foi uma pioneira nesse sentido. Outras escritoras contemporâneas dela tiveram que publicar seus trabalhos com pseudônimos masculinos, já que, à época, a literatura não era lugar para mulheres. Já no século XX houve um aumento significativo de escritoras”, comenta. 

À própria maneira, a literatura nacional também tem suas personagens marcantes. Em Dom Casmurro (1899), Machado de Assis criou um dos maiores mistérios da ficção, com a suposta infidelidade de Capitu. A personagem segue como uma incógnita no imaginário dos leitores e um símbolo literário do país. José de Alencar também contribuiu para a criação de alguns ícones femininos. Em Iracema (1865), a personagem que dá nome à obra representa a figura do “bom selvagem” e a submissão feminina ao homem amado. 

Pioneirismo literário

Mesmo diante do desinteresse constante, algumas mulheres tomaram a frente na produção literária do século XIX. Jane Austen, considerada a primeira romancista moderna da Inglaterra, escreveu seu primeiro livro aos 19 anos, Lady Susan – publicado 14 anos mais tarde, com o novo título de Abadia de Northanger (1817). Mas a obra mais popular da escritora é Orgulho e Preconceito (1813). Nessa narrativa, mais uma vez, a figura feminina assume o protagonismo, com Elizabeth Bennet, jovem que carrega as suas inquietações enquanto sua família tenta arranjar casamentos para suas irmãs. 

O Brasil teve sua primeira escritora do século XIX: Nísia Floresta. Pseudônimo da potiguar Dionísia Gonçalves Pinto, aos 22 anos, ela escreveu Direito das mulheres e injustiça dos homens (1832). Considerada pioneira em temáticas feministas no país, Nísia é autora de outras 13 obras. Ela é internacionalmente reconhecida por sua luta pelos direitos das mulheres, além de, naquela época, ter participado ativamente das campanhas abolicionista e republicana.   

Outras histórias, novas autoras

Na virada de século, surgiram nomes femininos que revolucionaram a literatura mundial. Mary Shelley, Virginia Woolf, Agatha Christie, Simone de Beauvoir são apenas alguns dos exemplos de escritoras que, inspiradas por suas próprias histórias e pensamentos, ajudaram a ampliar consideravelmente o repertório literário do público. No Brasil, uma importante leva de escritoras também começa a ressignificar a produção literária. 

O êxodo nordestino ganhou outro olhar em O Quinze (1930), primeiro romance da cearense Rachel de Queiroz. Em uma narrativa inspirada no próprio destino da família, que fugia da seca em 1915, a história mudou a perspectiva de contos regionalistas por trazer um relato imagético da diáspora da região Nordeste.

Luta e resistência

Na mesma linha de Rachel de Queiroz, Carolina Maria de Jesus revelava a dureza de seu cotidiano, contribuindo para a representatividade literária. Mulher negra, mãe solteira e moradora de uma comunidade de São Paulo (SP), a escritora mineira trouxe um olhar fiel à realidade periférica com o livro Quarto de Despejo: Diário de uma favelada (1960). Traduzido para mais de 13 idiomas, a publicação é resultado de 20 diários escritos por Carolina e coloca o leitor na posição de observador de uma história de luta e resistência. 

Conceição Evaristo, outra escritora mineira que tem ganhando notoriedade na literatura nacional se inspirou em Carolina Maria para dar início à sua trajetória. A autora, considerada uma das vozes mais importantes no movimento literário negro do país, estreou em 1990, publicando contos e poemas na série Cadernos Negros. Desde então, Conceição Evaristo transporta suas inquietações e questionamentos para seus livros.

“Todas essas novas histórias refletem mudanças de comportamento, de consumo e de interesses. A abertura que as escritoras tiveram foi fundamental para que novas visões preenchessem as páginas dos livros, conquistassem outros leitores e inspirassem mais mulheres”, pontua Alessandra Gino. A diretora também ressalta o legado dessas escritoras para a produção contemporânea. “Há uma diversidade muito maior de produção literária. Atualmente, as mulheres têm se empoderado muito mais e buscado ocupar, definitivamente, a literatura”, finaliza. 

Catálogo on-line

Também no acervo da Biblioteca Pública Estadual, os leitores encontram alguns nomes especiais, como o de Toni Morisson, única escritora negra a vencer o prêmio Nobel de Literatura (1993), e Lygia Fagundes Telles, autora de Antes do Baile Verde (1970), um dos livros mais procurados, com mais de 1,5 mil empréstimos.

Vale lembrar que estes e outros títulos podem ser consultados no catálogo on-line disponível no site da Biblioteca Pública Estadual, prédio que fica em quarentena por tempo ainda indeterminado.