Empresários dos setores de bebidas e pneus são alvo da operação Paradoxo de Pinóquio

Mandados de prisão e de busca e apreensão são cumpridos em Belo Horizonte; investigação apura crimes tributários e lavagem de dinheiro

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O Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos (Cira) – força-tarefa composta pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), Receita Estadual, polícias Civil e Militar – deflagrou, nesta quarta-feira (17/8), a operação "Paradoxo de Pinóquio". O objetivo da ação é o cumprimento de dois mandados de prisão e 16 de busca e apreensão em residências e empresas vinculadas a um complexo esquema realizado por associação criminosa, voltado para a prática de crimes de sonegação fiscal e lavagem de dinheiro, com prejuízos à livre concorrência e ao Estado de Minas Gerais.

De acordo com as fiscalizações administrativas e investigação criminal do Cira, o MPMG, por meio da 20ª Promotoria de Justiça de Defesa da Ordem Economica e Tributária da capital, com apoio Centro de Apoio Operacional de Defesa da Ordem Economica e Tributária da Capital, ajuizou pedidos cautelares criminais, que foram deferidos pelo Juízo da Vara de Inquéritos da Comarca de Belo Horizonte. Além das medidas de busca, apreensão e prisão, foram deferidas cautelares patrimoniais, autorizando o sequestro de valores depositados nas contas de investigados e empresas do grupo, até o valor de R$ 10 milhões, bem como a restrição judicial de imóveis e veículos.

Crimes tributários e lavagem de dinheiro

Conforme investigado, a associação criminosa é liderada por um empresário do setor de revenda de pneus na capital mineira, que deve cerca de R$ 23 milhões em débitos de ICMS não recolhidos aos cofres públicos, relativos à comercialização em lojas físicas de pneus, câmaras de ar e outros artigos pneumáticos, apurados em nove autos de infração lavrados pela Receita Estadual. Inicialmente, a fraude consistia no aproveitamento ilícito de créditos tributários oriundos de notas fiscais inidôneas, emitidas por "empresas noteiras".

Foi apurado que, em conluio com o contador e sócio do grupo econômico, a fraude tributária foi ampliada e as estratégias de lavagem de dinheiro se tornaram mais sofisticadas, com a estruturação de novas empresas que seriam especializadas em vendas on-line (e-commerce), mediante utilização de interpostas pessoas (laranjas e testas-de-ferro). A nova fraude, agora no setor de pneus e bebidas quentes (vinhos nacionais e importados), segundo estimativas iniciais da Receita Estadual, pode representar a sonegação do ICMS em pelo menos outros R$ 13 milhões.

De acordo com o Cira, as novas empresas simulavam nas declarações à Receita Estadual a comercialização de mercadorias por meio do e-commerce, em que os serviços e produtos são vendidos para o consumidor, exclusivamente, no ambiente virtual. Dessa forma, se beneficiavam da não incidência do ICMS nessa modalidade de venda. Entretanto, na prática, o tipo de comercialização realizado pela associação criminosa era outro, que justifica a efetiva incidência do tributo estadual.

Na análise dos documentos fiscais emitidos por empresas do grupo econômico, foram identificadas volumosas operações de vendas de mercadorias com a falsa informação de que o imposto já havia sido recolhido anteriormente. Contudo, não havia qualquer pagamento anterior do ICMS. Essas operações tinham como destino grandes atacadistas que se beneficiavam da fraude.  Também foram documentadas diversas vendas para restaurantes, simulando consumo próprio de seus sócios e funcionários, quando, na verdade, as bebidas eram disponibilizadas à venda para os clientes, sem o pagamento do tributo devido.

Além disso, são investigadas estratégias de blindagem patrimonial ilícita, que têm como objetivo dificultar as atividades de rastreamento e recuperação de ativos oriundos dos crimes de sonegação fiscal, prejudicando as atividades de fiscalização e de investigação do Cira.

Sonegação e violação da livre concorrência

A venda de pneus e bebidas quentes representam setores econômicos relevantes para o Estado de Minas Gerais, movimentando milhões de reais anualmente, gerando empregos e um ecossistema de empresários que competem por uma fatia do mercado.

Segundo o Cira, o crime de sonegação de tributos causa prejuízos à sociedade, impactando negativamente no financiamento de políticas públicas, inclusive em áreas sensíveis como a educação e a saúde. Segundo o Portal de Transparência do Estado de Minas Gerais, o montante sonegado equivale a cerca de 15% de todo o valor investido no primeiro semestre de 2022 em alimentação e nutrição no Ensino Fundamental em Minas Gerais.

E, para além do prejuízo direto aos cofres públicos, a prática reiterada de fraudes estruturadas em ilícitos tributários pode representar, conforme o Cira, vantagem estratégica para o grupo econômico dos investigados, causando distorções de mercado e lesando a livre concorrência. Pode causar prejuízos ao empreendorismo e verdadeira cláusula de barreira a empresários pagadores de impostos.

Participam da operação "Paradoxo de Pinóquio" cinco promotores de Justiça, sete servidores do MPMG, 60 servidores da Receita Estadual e 60 policiais civis.

15 anos do Cira e nova estratégia UCC

Criado em maio de 2007, o Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos (Cira) é uma iniciativa pioneira, que inspirou a criação de estratégias semelhantes em outros estados. Por intermédio da articulação do Cira, o Ministério Público de Minas Gerais, a Receita Estadual e as polícias Civil e Militar, ao longo de 15 anos, efetuaram investigações de fraudes estruturadas, com significativos resultados para a recuperação de ativos para a sociedade mineira e na defesa da livre concorrência. São mais de R$ 16 bilhões de ativos ilícitos recuperados aos cofres públicos no período.

A operação "Paradoxo de Pinóquio" é a primeira do Cira realizada no âmbito da Unidade de Combate ao Crime e a Corrupção (UCC). Inaugurada em julho de 2022, a UCC representa uma mobilização histórica de equipes interinstitucionais, aplicação de tecnologias de investigação e fluxos inteligentes de análise de evidências, qualificando o enfrentamento da macrocriminalidade em Minas Gerais.

A partir de uma perspectiva de análise econômica do direito, a estratégia UCC tem como objetivo impactar a lógica econômica do crime organizado e da corrupção, afetando negativamente a lógica de custo-benefício de agentes criminosos racionais, com a recuperação de ativos para a sociedade.

*Este conteúdo foi produzido durante o período de restrição eleitoral e publicado somente após a oficialização do término das eleições.



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